sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Pensa, filho. Sobre o fazer filosófico


O diálogo, o livre exercício do pensamento e a amizade são os pilares mais simples, mas indispensáveis para o fazer filosófico. Com esta convicção começa Historia de la Filosofia sin temor ni temblor (História da Filosofia sem temor nem tremor) de Fernando Savater, que, nesta entrevista, pouco antes de chegar a Buenos Aires para apresentar o seu livro, reflete sobre a tarefa de divulgar a filosofia na era em que a ágora são os meios de comunicação e a internet. A reportagem e a entrevista é de Mariano Dorr e está publicada no jornal argentino Página/12, 16-11-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS



Nas primeiras páginas deste livro ilustrado – por Juan Carlos Savater, irmão de Fernando – e pensado no começo como uma história da filosofia para os principiantes nas lidas desta disciplina, o autor nos propõe uma breve introdução à sua problemática através da reflexão sobre a natureza das perguntas. No cotidiano, muitas vezes dependemos de certas perguntas para resolver problemas mais ou menos urgentes. “Estiveste em Paris?, A que temperatura ferve a água?, Gostas de mim?”. As respostas servem para saber como devemos agir na sequência; perguntando, aprendemos a viver melhor.

Ao mesmo tempo, há respostas que parecem cancelar todo o interesse da pergunta: o que importa a pergunta sobre que horas são quando já fomos informados que são, por exemplo, dez da manhã? Savater interpela os seus leitores: “Imagina que em vez de perguntar que horas são, te ocorreria perguntar o que é o tempo. Ai, caramba, agora começam as dificuldades”, escreve. Aqui, então, se trata de uma pergunta sobre a nossa própria natureza temporal, nosso modo – como sujeitos pensantes – de ser no tempo. E não poderemos aproximar-nos de especialistas no tempo (antes poderíamos ter perguntado a hora a um relojoeiro). Ninguém sabe definitivamente o que é o tempo (nem a morte, nem a verdade, nem a liberdade, nem o universo): “Melhor será que fales com os outros, com os teus semelhantes, com outros preocupados como tu”. O diálogo aparece então como o modo privilegiado de aproximação da tarefa do filósofo.

Conversando por telefone, Savater nos explica em que consiste para ele esta dimensão essencialmente dialógica da filosofia.

O diálogo livre e aberto caracteriza a filosofia em relação aos outros tipos de saberes. Às vezes se fala de que também houve filosofia hindu e filosofia na China. O termo é muito amplo, é impreciso se pode dizer, mas creio que nesses casos podemos falar de sabedorias: sabedoria hindu, chinesa, etc. Mas a filosofia propriamente dita nasce na Grécia junto com a democracia. É o equivalente intelectual à democracia no terreno político”. Prescindindo de genealogias, de hierarquias, de tradições, de lendas, a democracia e a filosofia representam a autonomia igualitária dos indivíduos para encontrar um sentido à vida em comum (no caso da política) e a reflexão sobre a própria existência humana (no caso da filosofia). Ali está o essencial, disse Savater: “O filósofo não é um sábio que está acima dos demais, distante, mas que está, de alguma maneira, na mesma altura, está no mesmo plano que os outros e entra em contato com eles. Toda a filosofia é interativa”.

Contudo, História da Filosofia sem temor nem tremor também dá conta de certa impossibilidade do diálogo, mesmo quando se trata do encontro entre um afamado filósofo (Diógenes de Sinope) e um homem formado pelo próprio Aristóteles (Alexandre Magno). Conta a história que quando Alexandre teve oportunidade de conhecer Diógenes, o cínico (que vivia em um pote de barro, como um cachorro, fazendo de sua pobreza uma virtude), ao encontrar-se diante do filósofo apresentou-se como sendo soberano e que pedisse o que quisesse, que imediatamente lhe seria dado; Diógenes grunhiu. Alexandre insistiu, e o cínico respondeu: “Vou pedir-te que te afastes um pouco, pois estás tapando o sol”. O conquistador de todo o mundo conhecido não foi capaz de conquistar Diógenes. Savater disse a este respeito: “O diálogo filosófico exige fair play dos dois lados, exige uma aceitação do outro como semelhante a título de igual a si mesmo. E, evidentemente, Diógenes e Alexandre se enfrentam e creio que nenhum dos dois é capaz de aceitar o outro como um semelhante no mesmo plano; então, aí não há filosofia possível. A filosofia nasce, precisamente, quando estamos no plano de humanidade, não quando estamos num plano hierárquico socialmente”.

Um encontro muito diferente, desta vez frutífero em termos filosóficos, se dá entre um escravo (Epiteto) e um imperador (Marco Aurélio): “Aí sim se dá um reconhecimento, de fato Marco Aurélio não somente nunca se sente diferente ou superior a Epiteto, a quem tem por mestre, mas que praticamente lhe concede maior autoridade moral do que a si mesmo. Aí sim há um claro exemplo de como se pode tirar todas as vestimentas; um é escravo, o outro um liberto; este é um imperador, mas no momento da filosofia são dois seres racionais, dois seres pensantes, dois mortais que sabem o que vai lhes ocorrer”.

Cada um dos capítulos do livro termina com um diálogo entre Alba e Nemo, uma menina e um menino de entre doze e treze anos. Conversam sobre o capítulo que acaba de ser concluído, produzem novas discussões, vão descobrindo lentamente o fascínio pelas incertezas do pensamento: “Alba e Nemo têm de algum modo a idade primária dos leitores aos quais em princípio se pode dirigir mais diretamente o livro. Estes donzelos falam... e falam talvez de coisas que lhe ocorrem por conta do que acaba de ser descrito no texto. O que eu queria era dar uma vivacidade e uma proximidade ao conteúdo do livro, e também, mostrar que o pensamento continua. Ou seja, o pensamento não é algo que seja coisa de alguns especialistas que dizem o que deve ser dito e, então, aos demais só cabe repeti-lo, mas que o pensamento continua. Dessa maneira queria dizer que Alba e Nemo (ou qualquer menino dessa idade, ou qualquer pessoa de nosso tempo) também são pensadores, e que todos nós temos que sê-lo, devemos continuar essa tarefa”.

A inclusão destes personagens não apenas reforça a ideia de diálogo que Savater coloca no centro da reflexão filosófica, como também aparece, entre eles, a necessidade de vincular o exercício do pensamento com a prática da amizade, um dos traços mais singelos da ética de Aristóteles. É tão forte a ideia de amizade que, escreve Savater, Aristótelesinclusive diz que, sem amigos, ninguém gostaria de se ver obrigado a viver”.

Ao alcance de todos

O livro é escrito com humor e uma enorme simplicidade, quase como se estivéssemos escutando a voz de Fernando Savater (que nos é bastante familiar há alguns anos, devido à sua incursão em programas de TV a cabo exibidos na Argentina, sobretudo o 10 M, onde Savater refletia junto com outras figuras da cultura hispano-americana em torno da influência dos Dez Mandamentos na atualidade). A clareza expressiva de Savater faz do livro uma excelente ferramenta para aqueles que não tiveram até agora a oportunidade de se interiorizar nas idas e vindas da história do pensamento. A filosofia, desde seu nascimento na Grécia, luta por chegar à maior quantidade de pessoas possível. Por isso, Parmênides (século VI a.C.), em vez de escrever um tratado filosófico, escreveu um Poema, onde começa falando das musas quase como uma escusa, para que o escutassem na praça pública, enquanto que na realidade trata-se apenas de um estratagema para ensinar os seus concidadãos acerca do Ser, que – segundo escreveu – é. Mais adiante, na Academia fundada por Platão, não era permitida a entrada daqueles que não tivessem previamente um conhecimento geral da geometria. A filosofia é uma atividade que se abre à comunidade (mediante a divulgação de sua história e o tratamento de suas questões elementares, que dizem respeito a todos nós), mas que, ao mesmo tempo, se encerra entre as paredes da instituição acadêmica.

O trabalho de Fernando Savater como iniciador à filosofia não é recente; efetivamente, seu novo trabalho se situa em uma tetralogia que História da Filosofia sem temor nem tremor acaba de completar: “É um livro escolar, em um primeiro momento, mas que também está aberto a pessoas adultas que, por qualquer razão, não tenham entrado nesse campo e queiram interessar-se por ele. Primeiro apareceram dois livros de filosofia prática, Ética para Amador e Política para Amador, uma introdução à filosofia moral e uma introdução à filosofia política; depois, As perguntas da vida, que dá uma visão global dos principais temas filosóficos e o método para aproximar-se deles. E claro, faltava uma História da Filosofia... Assim, esta é a quarta entrega que eu pretendi fazer, e, além disso, apresentá-lo como um livro ilustrado, um pouco à moda antiga. É um livro que pretende ser em si mesmo, como objeto, um objeto atraente, um objeto que de alguma maneira convide à reflexão e ao paladar”. Colocar a filosofia ao alcance de todos implica aqui fazer dela um objeto bonito, que dê vontade de ter, de observar com curiosidade, guardando certa afinidade com os livros de texto que as crianças levam à escola.

Em relação à questão da popularização do pensamento filosófico, resultam significativas as palavras de Savater a propósito do estranho vínculo entre jornalismo e filosofia: “A filosofia nasce na ágora, na praça pública. Ou seja, não nasce em recintos fechados, tampouco na Academia; não é algo que nasça fechado entre quatro paredes, mas que nasce na rua, entre pessoas que não são especialistas. Trata-se de pessoas que vão fazer suas gestões, seus negócios, e que de repente param para serem interpeladas por Sócrates. Eu creio que isso é importante: hoje, a ágora... qual é a nossa ágora? Hoje a ágora são os meios de comunicação, o lugar onde nos encontramos todos. Já não somos alguns poucos milhares de pessoas como eram os atenienses no tempo de Sócrates, que podiam se reunir de algum modo em um espaço relativamente fechado. Hoje somos muitos milhões, e então nosso espaço é o espaço dos meios de comunicação, da imprensa, dos meios audiovisuais, da internet. Aí está a nossa ágora. O filósofo hoje tem que entabular diálogo com os seus semelhantes ali onde estão, quer dizer, nesses espaços comuns ou públicos”.

A filosofia nasce na rua, sem especialistas de nenhum tipo, simplesmente a partir do diálogo e da racionalização da reflexão, até dar lugar ao conceito. Contudo, isto não significa – para Savater – que devamos menosprezar o desenvolvimento da filosofia tal e como é praticada hoje nos âmbitos acadêmicos de todo o mundo: “Não tiremos importância do paper, a filosofia já é um saber especializado. Enfim, tudo isso é importante. Mas não devemos esquecer que o fundamental está em outra coisa. O fundamental é a relação entre filosofia e vida. A filosofia não é simplesmente uma disciplina a mais para obter graus acadêmicos, mas é algo para salvar a nossa vida. É, como dizia Ortega y Gasset, como o náufrago que caiu no mar, e se molha, e se debate na água para ver se consegue manter a cabeça fora da água. Isso é a filosofia, e é isso o que importa. Depois, também, para quem já faz um estudo mais especializado há, efetivamente, os papers acadêmicos e tudo o mais. Mas a maioria das pessoas não vai seguir a carreira ou uma especialização em uma matéria filosófica técnica, digamos. O que necessita é saber filosofia suficiente para a sua vida”.

Pensar contra o terror

O título do livro faz uma irônica alusão ao famoso texto de Soren Kierkegaard, Temor e tremor, no qual conta o caso de Abraão, a quem Javé pede o sacrifício de seu filho Isaac. Apesar de ser um pedido inexplicável para o próprio Abraão, este toma o seu filho nos braços e o leva à montanha, angustiado; no momento em que ia assassiná-lo, seu Deus – infinitamente estranho à razão, mas que pode salvar-nos através da experiência da angústia – o detém comprazido. Savater assinala que, para Kierkegaard, trata-se de “crer para além da lógica – e da ética – e suas explicações para acabar finalmente com todo temor e toda culpa”. Não sem admiração, Savater toma distância deste modo de entender os labirintos da razão. Desde o início de seu livro, chama a atenção dos seus leitores pedindo-lhes que não permitam que ninguém pense por eles; cada um deve fazer o exercício do pensamento por si mesmo. O mandato délfico (“conhece-te a ti mesmo”) parece exortar-nos a um cuidado da alma que não é outra coisa que um convite a mais para praticar a filosofia. Então, devemos ocupar-nos de nós mesmos, mas cuidando ao mesmo tempo para que ninguém nos imponha uma crença, posto que não podemos começar a filosofar sem levar a cabo uma crítica da religião (que no livro aparece fundamentalmente nas figuras de Erasmo de Rotterdam, Spinoza, Feuerbach, Hume, Marx, Freud e Nietzsche).

Eis a entrevista

Acredita que é na escola onde se deveria empreender esta crítica?

A escola deveria ser um lugar livre de influências religiosas. Na escola pública a religião não deveria estar presente. Eu não creio que as crianças, os jovens ou os adolescentes deveriam ser embarcados em polêmicas religiosas. Basta dizer: “Bom, todas essas lendas piedosas, todas essas tradições que explicam a origem do mundo de acordo com contos e lendas... tudo isso faz parte de uma tradição folclórica, mas isso não é a razão”. A razão começa quando renunciamos a essas coisas e quando nos fazemos as grandes perguntas só a partir de nós mesmos, do diálogo com os demais e de nossa reflexão sobre a experiência do real. E o resto deixamos de lado. Então, mais que dedicar-nos a uma crítica - no sentido polêmico - da religião, o que é preciso fazer na escola é criar um espaço livre dessa presença obsessiva religiosa.

Você assinala que pensar é pensar contra o terror...

Pensar é pensar contra o terror que nos querem impor e, ao mesmo tempo, contra o terror que sentimos nós mesmos. Há ideias que nos espantam. A verdade pode não nos ser favorável. Às vezes é preciso ter coragem para atrever-se a pensar. Não pensar o que nos é grato, o que nos convém, o que nos tranquiliza, mas realmente atrever-se a olhar as coisas de frente. E, evidentemente, desafiar também aqueles que querem intimidar-nos e se impor com suas aterradoras ideias de fora.

É possível aprender a viver?

É preciso evitar a tendência - que alguns livros recentes inclusive fomentaram - de converter a filosofia em uma espécie de forma transcendente de auto-ajuda ou algo do gênero. Eu creio que a filosofia não é uma forma de auto-ajuda. Pode haver - em alguns casos de filósofos estóicos ou epicuros - algum aspecto que soa ao que chamamos de auto-ajuda. Mas a filosofia em si mesma, como tarefa, não é um exercício de auto-ajuda, mas um exercício de como viver na incerteza. Ou seja, de viver precisamente sem necessidade de certezas supersticiosas, indiscutidas e acríticas como de alguma forma tanta gente aceita. O filósofo não aceita isso. Quer viver, mas quer viver no risco da incerteza, da dúvida, do questionamento do estabelecido.

Foram muitos os filósofos perseguidos por suas ideias ao longo da história do pensamento. Você comenta algumas destas perseguições: é o caso de Sócrates, do próprio Platão, Giordano Bruno, Galileo Galilei, outra vez Spinoza...

Alguns pensam que a história da filosofia é uma espécie de exame de cérebros que estão aí, flutuando no vazio, quase como máquinas de pensar. Os filósofos são seres com corpo, com paixões, com ambições, às vezes com misérias. E, evidentemente, a história da filosofia tampouco é simplesmente um gabinete onde uma série de senhores troca amavelmente opiniões. Ao contrário, são pessoas que sofrem prisões, enfrentamentos violentos, são levadas às fogueiras, exiladas. Há um filme recente - que eu creio ser muito adequado - de Alejandro Amenábar que se chama Ágora, onde conta a história de uma das poucas mulheres-filósofa da época antiga, Hipátia de Alexandria, que tenta filosofar e acaba esquartejada e assassinada pelos cristãos. Os poderes tanto eclesiais como civis não suportaram a busca filosófica.

Há algo de revolucionário no exercício da filosofia?

Pensar é revolucionário se tiramos a truculência da palavra. É revolucionário no sentido de que põe as coisas de pernas para o ar. Quem pensa, a primeira coisa que faz é colocar em questão, colocar entre parênteses tudo o que existe. Não é uma revolução no sentido de tiros e de tomadas do Palácio de Inverno. É uma revolução porque o que se acreditava como certo é visto como inseguro ou relativo. E, claro, tudo isso faz com que se sinta sacudido. O diálogo sacode os princípios do que parecia estabelecido.

“A sabedoria do Ocidente”

Toda a história da filosofia está condenada a ser incompleta, os filósofos são tantos (sobretudo, no começo da filosofia, na Grécia) que é impossível dar conta de todos eles em um único trabalho. No último diálogo que Alba e Nemo mantêm, conversam sobre esta questão. Nemo: “Isto é tudo? Se já não há mais filósofos, acabou a história da filosofia?”. Alba: “Não, homem, claro que não. É certo que houve muito mais filósofos antes e vai havê-los depois. Estou convencida de que para pensar filosoficamente não é preciso ter carteirinha de filósofo, nem um título que nos autorize a filosofar. Eu creio que a filosofia é, às vezes, o ofício de alguns, mas mais cedo ou mais tarde representa uma necessidade na vida de todos e de qualquer um”. Alba é um pouco mais sensível que Nemo. Aparecem desenhados, ao final de cada capítulo, discutindo, às vezes na Grécia, outras vezes presenciando a Revolução Francesa, ou no porto de Alexandria, no norte do Egito, percorrendo os cenários da história do pensamento.

Depois do último capítulo aparece uma Explicação final, onde vemos um desenho de Fernando Savater, com seus óculos característicos, sentado em um púlpito junto com seus “pupilos”, Alba e Nemo, cada um com uma folha e uma caneta. Estão tendo uma aula? De quem? Nada menos que de Bertrand Russell. Esta cena funciona como uma espécie de homenagem de Savater ao grande mestre inglês: “A sabedoria do Ocidente de Bertrand Russell foi o primeiro livro que eu tive e de que gostei. Era uma história da filosofia muito ilustrada, um livro grande, muito atraente, no qual Russell de alguma maneira condensava ou resumia a bem conhecida História da Filosofia que ele mesmo escreveu, muito mais extensa. Nesse livro foi onde eu vi as primeiras imagens dos filósofos, as primeiras ilustrações, fotografias e paisagens filosóficas, por assim dizer. Foi meu primeiro livro filosófico e ainda o tenho, o guardo há muitos anos. Então, quando fiz esta História da Filosofia quis fazer uma espécie de homenagem a esse livro que me despertou a vocação. E tomara que o meu também – salvaguardando as distâncias que me separam do talento de Russell – sirva para ajudar alguém a se interessar pela filosofia”.

Curiosamente, terminamos o livro imaginando um Fernando Savater adolescente, observando as folhas daquele livro de Russell (que ainda se acha em alguns sebos), absorto em seus pensamentos. A epígrafe desta História da Filosofia sem temor nem tremor resume também esta intenção de aproximar a filosofia de todo o mundo, sem restrições de idade. Trata-se do começo da famosa Carta sobre a felicidade (a Meneceu) [Unesp, 2002], onde Epicuro disse: “Que ninguém hesite em se dedicar à filosofia enquanto jovem, nem se canse de fazê-lo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito”. Neste sentido, o livro não é simplesmente uma introdução para os jovens, mas que Savater parece dizer àqueles que já se sintam grandes para a filosofia: “Vem, senta-te aqui, escutemos juntos as palavras de Bertrand Russell, como eu disse quando tinha doze anos de idade”.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Olgária Matos


O crepúsculo dos sábios



Olgária Mattos é professora de filosofia da USP.
Fonte: http://migre.me/bKZA



- O conceito de universidade moderna e a natureza do conhecimento que ela produziu até os anos 1960 tinham por objetivo formar o cientista. Este representava o "mestre da verdade" porque capaz de compreender seu ofício na complexidade dos saberes e da história. Sua autoridade procedia de sua palavra pública, pela qual se fazia responsável. O cientista era o intelectual, e para ele a pesquisa não correspondia a uma profissão, mas a uma vocação. O conhecimento mantinha sua autonomia com respeito às determinações imediatamente materiais e do mercado. Sua temporalidade - a da reflexão - compreendia-se no longo prazo, garantidora da transmissão de tradições e de suas invenções.

A universidade pós-moderna, por sua vez, converte pesquisa em produção, constrangendo-se à pressa e à produtividade quantificada do conhecimento, adaptando-se à obsolescência permanente das revoluções técnicas, promovidas pelas inovações industriais segundo a lógica do lucro. A temporalidade do mercado confisca o tempo da reflexão, selando o fim do papel filosófico e existencial da cultura. Para a universidade moderna não cabia a pergunta "para que serve a cultura", mas sim "de que ela pode liberar". A universidade moderna elevava a sociedade aos valores considerados universais no concerto das nações que procuravam uma linguagem comum ao patrimônio cultural de toda a humanidade, devolvendo-o à sociedade com seus maiores cientistas e seus melhores técnicos. Essa foi a tradição de Goethe que havia formulado a ideia da Weltliteratur, da literatura universal como cosmopolitismo do espírito.

A universidade pós-moderna é a da indiferenciação entre pesquisa e produção. O intelectual cultivado foi destituído - em todos os domínios do conhecimento - pelo especialista e seu conhecimento particularizado, cujo contato com a tradição cultural é episódico ou inexistente. Seu discurso não diz mais o "universal" e se limita a formulações técnicas, perdendo-se o sentido do conhecimento e seus fins últimos, com a passagem da questão teórica "o que posso saber" para a pragmática "como posso conhecer". Pra Gunther Anders, o emblema da conversão do intelectual em pesquisador, da razão crítica em desresponsablização ética e racionalidade técnica, foi Fermi na Itália e Oppenheimer nos EUA, cujas pesquisas sobre a bomba atômica foram tratadas por eles em termos estritamente técnicos.

A universidade pós-moderna não lida mais com as "grandes narrativas" nem busca a fundamentação do conhecimento e seus primeiros princípios. Como o mercado, se pauta pela mudança incessante de métodos e pesquisas. Nada aprofunda, produzindo uma cultura da incuriosidade, imune ao maravilhamento. Em sua pulsão antigenealógica, acredita que tudo o que nela se desenvolve deve a si mesma, não reconhecendo nenhuma dívida simbólica com as gerações passadas. Essa circunstância, por sua vez, pode ser compreendida no âmbito da massificação da cultura e da universidade.

Com a ditadura dos anos 1960 no Brasil, a universidade pública moderna - concebida de início para formar as elites governantes, a partir do ideário de universidade cultural, científica e com suas áreas técnicas - começa sua desmontagem, o que e resulta em sua massificação. Sob a pressão de massas historicamente excluídas dos bens científicos e culturais, bem como do sucesso profissional aferido pelo enriquecimento nas profissões liberais, a universidade pós-moderna acolhe populações sem o repertório requerido anteriormente para a vida acadêmica. Face ao ideário moderno baseado no mérito de cada um e não mais no sistema nobiliárquico do nascimento, e sua incompatibilidade com a desigualdade real de oportunidades para a ascensão social, a universidade pós-moderna questiona, contrapondo-os, mérito e igualdade, reconhecendo no primeiro a manutenção do regime de privilégios e distinções do passado.

Assim, a universidade atual adapta-se à fragilidade do ensino fundamental e médio, passando a compensar as deficiências dessa formação. Para isso, a graduação retoma o ensino médio, a pós-graduação a graduação, o doutorado o mestrado, cuja continuidade é o pós-doutorado, tudo culminando na ideia da "formação continuada" e de avaliações permanentes. Ao mesmo tempo, a ideia de pesquisa moderna anterior transforma-se em fetiche pós-moderno, tanto que a iniciação científica se faz para estudantes em preparação para a vida universitária adulta, mas constrangidos a publicações precoces. O paradoxo é grande, uma vez que, maiores as carências nos anos de formação do estudante - como a precariedade no acesso à bibliografia em idiomas estrangeiros e dificuldades de expressão oral e escrita na língua nacional -, mais estreitos são os prazos para a conclusão de mestrados e doutorados. Prazos e métodos, por sua vez, migram das disciplinas científicas para todos os campos do conhecimento, sob o impacto do prestígio da formalização do pensamento, como é possível reconhecer, em particular no estruturalismo e, mais recentemente, no linguistic turn, sua legitimidade garantida pelo rigor científico de suas formulações. Acrescente-se o abandono da ideia de rigor na escrita e o fim do estilo, com o advento do gênero paper e a multiplicação de congressos no mundo globalizado.

Massificada a cultura, proliferaram, com a ditadura militar, a privatização do ensino e seu barateamento, as universidades particulares - salvo as exceções de praxe - prometendo ascensão social e acesso ao "ensino superior" e decepcionando suas promessas. A universidade moderna que a antecedeu garantia o exercício da formação especializada e se encontrava na base dos cursos técnicos com formação humanista para todos os que não se encaminhavam para a pesquisa, devendo atender à profissionalização, mas também à felicidade do conhecimento.

A emergência da universidade pós-moderna diz respeito ao abandono dos critérios consagrados até então a fim de democratizá-la. Mas a democratização pós-moderna é massificação. A sociedade democrática comportava diversas representações das coisas: os partidos representavam as diferentes opiniões, os sindicatos os trabalhadores, a Confederação das Indústrias os empresários. Na sociedade pós-moderna, o consenso é produzido pela mídia e suas pesquisas de opinião, através da eficiência persuasiva da televisão, que primeiramente cria a opinião pública e depois pesquisa o que ela própria criou. Razão pela qual massificação significa perda da qualidade do conhecimento produzido e transmitido, adaptado às exigências de massas educadas pela televisão, com dificuldade de atenção e treinadas para a dispersão, mimadas por uma educação que se conforma a seu último ethos.

A cultura pós-moderna é a da "desvalorização de todos os valores". Sua noção de igualdade é abstrata, homóloga à do mercado onde tudo se equivale. Em meio à revolução liberal pós-moderna, a universidade presta serviços e se adapta à sociedade de mercado e ao estudante, convertido em cliente e consumidor, como o atesta a ideologia do controle dos docentes por seus alunos.

Em seu ensaio Filosofia e Mestres, Adorno diz, temendo incorrer em sentimentalismo, que o conhecimento exige amor. Sua universidade, a de Frankfurt, era moderna, humanista, como era humanista o professor de uma fita italiana dos anos 1970. No filme, estudantes impedem o franzino docente de literatura românica com seus compêndios eruditos de entrar na sala de aula onde discutem questões do curso. Sentado em um banco, o mestre escuta o vozerio e ruídos de cadeiras sendo arrastadas. Por fim é chamado e, quando entra, os estudantes em suas carteiras estão em círculo, e o professor senta-se entre eles. Discutem então o que o professor deveria ensinar-lhes. Como não chegam a nenhum consenso e o dia se faz crepuscular, decidem finalmente deixar que o professor se manifeste. Ao que o professor, retomando seu lugar junto à lousa e diante de todos, anuncia: "Estou aqui para ensinar a vocês a beleza de um verso de Petrarca".

Metáfora rigorosa para a educação, da escola maternal à universidade, o conhecimento, como escreveu Freud, é uma das tarefas mais nobres da humanidade no longo processo de sua humanização.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

Alberto Giovanni Biuso

Antropodescentrismo: as fronteiras móveis entre o ser humano e as outras espécies


Em dois livros recentes, "Intelligenze plurime" [Inteligências plúrimas] e "Il tramonto dell'uomo" [O declínio do homem], Roberto Marchesini (foto) coloca em discussão a centralidade do "homo sapiens", destacando como na esfera do "bios" não há hierarquias, mas sim especializações relativas aos contextos, não distâncias qualitativas entre o humano e o resto do mundo animal, mas sim contiguidade e diferenças entre as espécies, incluindo os humanos. Marchesini participou, em 2008, do Simpósio Internacional "Uma sociedade pós-humana? Possibilidades e limites das nanotecnologias", organizado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, na Unisinos. Publicamos aqui a avaliação crítica de Alberto Giovanni Biuso, professor de Filosofia da Mente na Faculdade de Letras e Filosofia da Universidade de Catânia, na Itália, escrita para o jornal Il Manifesto, 30-10-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS


O século XX foi (também) o tempo em que o paradigma humanista que, por milênios, havia embasado a cultura e a vida do Ocidente começou a mostrar as suas falhas e as suas contradições. Esse paradigma vitruviano – tão admiravelmente expressado na célebre incisão de Leonardo da Vinci e nas páginas de Pico della Mirandola, e fundamentado na centralidade absoluta do humano, na sua separação de qualquer outro ente e na autopoiese, uma virtualidade ilimitada que permitiria que a nossa espécie se tornasse tudo o que quisesse – progressivamente caiu. De pouco valem as nostalgias humanistas, mesmo que diversamente declinadas: a antroposfera não existe – nunca existiu – fora de uma relação constante e dinâmica com a teriosfera (os outros animais), a tecnosfera (o chamado mundo artificial), a teosfera (a dimensão do sagrado).


Concentremo-nos na primeira, a teriosfera, partindo de um dado evidente: a "animalidade" não é uma categoria. É manifestamente um engano assimilar formigas, corvos os cavalos em uma ideal contraposição com o homem, a partir do momento em que muitíssimos animais são muito mais próximos – seja genética ou funcionalmente – à espécie humana que a outras. Um chimpanzé ou um cachorro são muito mais "parentes" do Homo sapiens do que das abelhas, dos moluscos, das cobras.


Na recorrente comparação distintiva entre a nossa espécie e os "outros animais", pode-se, portanto, ler um sintoma ao mesmo tempo de presunção e de insegurança. A vida se expressa em uma multiplicidade de formas, todas ligadas entre si e todas diferentes, e não tem sentido a obsessão comparatista segundo as quais, toda a vez que se discute inteligência animal, ela é entendida como uma categoria unitária, que deve ser confrontada sempre e apenas com a inteligência humana, quase como se esta última constituísse o parâmetro sobre o qual deve-se medir qualquer outra habilidade cognitiva.


Tão radicados são esses estereótipos que uma perspectiva etológica e biológica mais rigorosa não poderá não levar senão àquela que Roberto Marchesini definiu no seu "Intelligenze plurime. Manuale di scienze cognitive animali" [Inteligências plúrimas. Manual de ciências cognitivas animais] (publicado pela editora Perdisa no ano passado) como uma nova "revolução copernicana".


Escreve Marchesini: "Nós, homens, temos a surpresa de habitar em uma pequena e remota região cognitiva que naturalmente tem contiguidades, proximidades e até sobreposições com a das outras espécies".


Mover-se rumo a um antropodescentramento do conhecimento significa, simplesmente, entender melhor a vida, tanto em sentido biológico como em sentido ético. São muitas as formas em que o antropocentrismo se expressa, do antropomorfismo, que tende a assimilar a cognição animal à humana, à reificação, que nega que nos animais não humanos haja inteligência. Em ambos os casos, é ignorado o fato de que a inteligência, citando ainda Marchesini, é "uma função biológica que – como a sensorialidade, a anatomia das artes, a digestão – se apresenta no universo animal de modo plural com uma multiplicidade de vocações e atitudes não sobreponíveis entre si".


No bios, enfim, não há hierarquias, mas apenas especializações relativas aos contextos, não distâncias qualitativas entre o humano e o resto do mundo animal, mas sim contiguidade e diferenças entre as diversas espécies, incluindo os humanos. A oposição humano/animal se situa dentro de um círculo comum e mais amplo, biológico e tecnológico. Em uma perspectiva antropodescentrada e etológica, tanto o comportamento reducionista quanto o funcionalismo computacional mostram a sua insuficiência, pois ambos ignoram o fato de que o humano não possui e não habita um corpo, mas é corporeidade complexa e adaptada ao ambiente.


Oito formas de inteligência


Essa unidade plural do ser vivo, objeto em que Marchesini trabalha há anos, encontra em "Intelligenze plurime" e no posterior, o recentíssimo "Il tramonto dell'uomo. La prospettiva post-umanista" (Dedalo 2009) um rigoroso ponto de apoio. A pluralidade cognitiva se explica, para Marchesini, em oito formas de inteligência: social, enigmista, orientativa, abstrata, operativa, referencial, comunicativa, reflexiva.


A inteligência social, ou relacional, é a capacidade de pensar com o grupo/bando e a favor da sua sobrevivência. A inteligência solutiva é, pelo contrário, capaz de resolver problemas em solidão. A inteligência de mapa é capaz de visualizar mentalmente os contextos espaço-temporais mediante coordenadas astronômicas, sinalizações paisagísticas e autorreferenciais (como os feromônios ou as urinas). A inteligência conceitual abstrai da realidade os conceitos gerais mediante operações de mapeamento e orientação interiores. A pragmática inclina o mundo a suas próprias exigências de utilização. A inteligência mimética é capaz de aprender com a relação com membros do grupo, da espécie a que pertence ou também de outras espécies. A dialógica permite intercambiar conteúdos com outros da mesma espécie. E por fim a inteligência reflexiva ou introspectiva "refere-se à capacidade de fazer referência à mente como mundo interno e, portanto, ao estado mental vivido, à própria biografia, à abordagem simpatética do outro e da abordagem empática do outro.


Objetos


Com relação às críticas que são dirigidas à ciência por ser a maior responsável pela vexação de outras espécies, Marchesini rebate "ao contrário que é graças à ciência que o homem contemporâneo soube sair do antropocentrismo (seja por analogia quanto por distanciamento), começando assim a olhar com humildade e interesse o grande patrimônio de diversidade que o universo das outras espécies animais nos oferece".


Se isso é verdade, não deve ser subavaliado, no entanto, o fato de que os laboratórios científicos e farmacológicos constituem ainda hoje lugares de tortura para muitíssimos animais. Horrores praticados não apenas em nome dos negócios, mas também "pelo progresso das ciências". E, entretanto, a vivissecção é uma das práticas mais anticientíficas que existem, como argumenta Stefano Cagno, em "Imparare dagli animali" (Perdisa 2009), um livro que toca as questões mais urgentes da relação humano/animal, da engenharia genética à clonagem, do vegetarianismo à caça, da pet-therapy aos direitos dos animais – um argumento, este último, do qual o filósofo norte-americano Tom Regan se ocupa com vigor há diversos anos, cujo livro "Gabbie vuote" [Gaiolas vazias] foi republicado recentemente na Itália.


Cagno sustenta que a vivissecção é "um método de pesquisa arcaico", que "se baseia no conceito de 'semelhante', sem valor científico", tanto que "já causou danos à saúde humana", pois "não existe nenhuma semelhança entre as doenças que surgem espontaneamente nos seres humanos e aquelas induzidas artificialmente nos animais". A vivissecção não só "representa uma violação dos direitos animais", que são "tratados como objetos", mas também se presta a "qualquer forma de abuso e de sadismo (…) antessala para uma experimentação sobre o homem privada de regras". Esse grave "desperdício de recursos econômicos (…) permite fáceis carreiras universitárias" e principalmente permite que "as indústrias farmacêuticas inundem o mercado com novos produtos".


Pretensões autárquicas


Entre aquelas que Eugenio Mazzarella quis chamar, com uma bela definição, de "ciências da nova humildade" e que deveriam nos induzir a um repensamento sempre mais profundo sobre a inaceitabilidade das dores infligidas a outras espécies em nome da superioridade da humana, apresenta-se quase com um estatuto bem preciso a zooantropologia, cujo "assunto de base está em considerar o humano como um processo, não como um estado", para retomar mais uma vez as palavras de Roberto Marchesini no livro assinado com Sabrina Tonutti, "Manuale di zooantropologia" (Meltemi 2007).


A zooantropologia rejeita as pretensões típicas do humano com relação ao mundo das outras espécies: a pretensão distintiva que vê na cultura uma posse exclusiva da nossa espécie; a pretensão autárquica que nos tornaria autônomos do resto do mundo vivo; a pretensão separativa que faz das características humanas o cume da vida e da sua evolução.


Nessa perspectiva, e como Marchesini argumentou em "Tramonto dell'uomo", o corpo humano não constitui uma fortaleza fechada que se gera por si mesma e por si mesma alcança a vida, mas é um projeto dialógico e mundano. O corpo não é um equipamento que se possui, uma casa que se habita, interface instrumental, mas é a obra aberta na qual convergem os processos metabólicos, perceptivos, emotivos, relacionais, tecnológicos que, juntos, definem e fazem a nossa espécie. Um corpo que se é; não que se usa. Um corpo que é tempo germinado pelas memórias e pelos genes, constituído por aquela evidente transitoriedade que se chama finitude e morte. Bios e téchne não são duas, "toda tecnologia é, de fato, uma biotecnologia".


Um planeta em perigo


Pensar a tecnologia de modo instrumental e exterior com relação ao caminho evolutivo da nossa espécie nos torna incapazes de compreender sua potência intrínseca além da evidente pervasividade da vida contemporânea. "As atitudes hiper-humanistas (a tecnociência como domínio do homem sobre o mundo) e trans-humanistas (a tecnociência como salvação do homem pelo mundo) – observa Marchesini – não colocam em discussão o conceito de homem-essência como centro gravitacional em torno ao qual tudo gira e ao qual tudo deve ser referido".


O risco é, portanto, a (auto)destruição do humano e, com ele, do planeta. Mesmo que para contrastar esse perigo, a perspectiva pós-humana confere ao Homo sapiens características e funções específicas – que ele certamente possui, como qualquer outra forma de vida – que, no entanto, renunciam à ilusão epistemologicamente errada e pragmaticamente suicida da centralidade ontológica. "Por isso, falamos de antropodescentrismo como de uma progressão que constrói os predicados humanos contaminando-se sempre mais com o mundo e tornando o mundo partícipe do próprio projeto".


Com a perspectiva zooantropológica e pós-humanista, declina a concepção do animal "bom de comer", própria das filosofias e práticas mais antropocêntricas, que veem nas outras espécies só recursos e instrumentos para a espécie humana. Mas também do animal só "bom de pensar", de grande parte da excelente pesquisa antropológica e histórica que analisa a esfera das outras espécies nas suas expressões e funções simbólicas, tecnológicas, estéticas, sagradas, culturais, como espelho fiel ou deformador – em todo caso – do humano. E acrescenta-se, pelo contrário, o animal "bom de ser" àquilo que nós mesmos somos na complexidade e na extrema variedade da natureza.

sábado, 7 de novembro de 2009

Foucault: a crítica errante de um pensamento rebelde


O curso de Michel Foucault coletado no volume publicado por Feltrinelli, “O Governo de si e dos outros”, articula o tema de uma práxis teórica que se apresenta como crítica ao existente e ato rebelde com respeito ao poder. Um texto que, junto com “A coragem da verdade”, em vias de publicação, desmente as interpretações que apresentaram o filósofo francês como um teórico do neoliberalismo. A reportagem é de Alessandro Dal Lago, publicada no jornal Il Manifesto, 23-10-2009. A tradução é de Benno Dischinger.
Fonte: UNISINOS


A coragem da verdade é o título do curso dado por Michel Foucault no Collège de France de fevereiro a março de 1984. Poucos meses depois, no mês de junho, o filósofo teria morrido. A morte adeja sobre as últimas palavras públicas de Foucault e não só porque no início do curso ele admite estar seriamente enfermo ou porque se multiplicam as referências aos últimos dias de Sócrates. Antes, as lições concluem sob a insígnia da finitude, como consciência de um senso terreno e irrepetível a ser dado à existência entre os homens. Continuação explícita de O governo de si e dos outros, publicado na França em 2008 e na Itália faz poucos dias junto a Feltrinelli, A coragem da verdade (do qual o editor milanês anunciou a publicação em italiano) coroa uma meditação sóbria e analítica, mas não menos radical sobre o que Hannah Arendt teria definido a existência política.


Aqui devemos ser claros. Os dois cursos e, sobretudo o segundo, mandam pelos ares as interpretações edificantes e paroquiais, essencialmente revisionistas, que na última década, com base na publicação dos cursos, se quis dar da pesquisa foucaultiana. Onde Foucault reconstruía as peripécias da ética antiga em chave de progressiva despolitização (e, portanto, justificação de um governo pastoral ou, se quisermos, do domínio), alguns intérpretes contemporâneos quiseram ver uma espécie de filosofia prática da interioridade – como naquela paródia dos exercícios espirituais que vai sob o nome de laudo filosófico. Um historiador e filósofo cético e libertário foi assim reduzido a uma espécie de pedagogista ou mestre de sabedoria, caricatura que Foucault teria detestado. Bastaria a sobriedade com a qual enfrentou os últimos meses de vida para mostrar como para Foucault o “cuidado de si” seria algo de esquisitamente privado do qual não convém fazer comércio intelectual e material.


Os ídolos do cínico


No governo de si e dos outros, Foucault indica, baseando-se em Eurípides, Platão, Plutarco etc., como a parrésia teria sido na origem um conceito político – a palavra que o homem livre pronuncia a respeito da polis contra a tirania e a injustiça. Algo, portanto, que tem sentido em público e pressupõe um coro. Sucessivamente, em sintonia com o declínio da polis, a parrésia começa a fazer parte dos ‘arcana imperii’. Como se vê nas relações de Platão com os dois Dionísios, o “falar franco” torna-se o do filósofo ao tirano; em outros termos, trata-se de algo ao mesmo tempo técnico e secreto (de onde a afinidade com o tema platônico da supremacia da sapiência oral).


O fim da liberdade grega é o contexto histórico no qual a parrésia perde qualquer sabor político para se tornar “franqueza” teorética, “verdade” pessoal e interpessoal. Lançam-se aqui as premissas para aquela repatriação dos filósofos em si mesmos, com base em grande parte da ética helenística e em particular do estoicismo. Mas, caso se tenha em mente as outras pesquisas de Foucault, é impossível não pensar na fundação da subjetividade teórica. A partir do ‘Noli foras ire’ [Não queiras sair fora] de Agostinho, se desdobra uma estrada que passa de Descartes e transita pelos lados de Husserl para acabar no receituário edificante contemporâneo.


As primeiras aulas do curso de 1984 retomam e reelaboram o Governo de si e dos outros. Como se sentisse a urgência de fixar uma matéria delicadíssima (no fundo se trata de repensar em chave de conflito ético-político e não mais de mero desvelamento da racionalidade, as origens do pensamento ocidental), Foucault retorna sobre as diversas declinações da parrésia, se detem nas interpretações da morte de Sócrates, tira os fios que daquelas antigas discussões levam diretamente aos dilemas de hoje, mostra como, em última análise, a psique seja o terreno ao qual conduziu o “falar franco”. É na interioridade da alma que o ensaio verá por último manifestar-se o logos. Simone Weil pôde falar, a propósito da filosofia platônica, de intuições pré-cristãs. Foucault nos mostra quão clássica seja a idéia (que se quer moderna) do eu como terreno privilegiado da verdade.


Era possível outra história? Através de uma análise originalíssima da virada cínica, Foucault parece sugerir de si – conduzindo-nos a um terreno que não é o da mera nostalgia da polis e muito menos do recuo histórico. O cínico não é alguém que exercita ocasionalmente a parrésia ou muito menos a teoriza, mas é aquele que a pratica sempre – isto é, alguém que vive, poder-se-ia dizer, num estado de parrésia.


O cínico desmascara, portanto, com seu exemplo os ídolos privados e públicos. Exemplar, a este propósito, é aquele filósofo cínico arrastado a juízo porque se recusa aceitar os mistérios. Se os mistérios são maus, diz ele, o filósofo deve dizer a verdade sobre eles. Se são bons, deverá atrair para eles o maior número de pessoas possível; em todo o caso, deve conhecê-los e portanto não podem dar-se mistérios. Com um só golpe, os cínicos desmascaram a mitologia religiosa e a prosopopéia do poder. Deste modo, correm riscos, exatamente como Sócrates, de quem levam às extremas consequências o método, mas sem aquela aura de superioridade um pouco tortuosa que já havia atraído sobre Sócrates as ironias de Aristófanes.


Os cínicos, de fato, dão acima de tudo o exemplo, encarnando a verdade com seu comportamento. Num capítulo extraordinário sobre a posteridade dos cínicos, Foucault mostra quanto seu exemplo esteja afim ao espírito revolucionário moderno. O cínico é, em última análise, um filósofo prático subversivo e, neste sentido, se ergue contra o conservadorismo platônico e aristotélico e seu supremo senso de ordem.


O espírito anti-institucional


Pobreza na vida cotidiana, corpos cobertos de trapos, falta de moradia, nomadismo... Nesta filosofia praticada por baixo Foucault vê justamente os pródromos de um cristianismo popular e primitivo, mas também das heresias que germinarão às margens da institucionalização do cristianismo e contra ela. Como não pensar, além dos valdenses citados por Foucault, nas seitas gnósticas, nos cátaros etc. etc. até os levellers ou os anabatistas? É no assim dito cinismo, parece dizer Foucault, um espírito anti-institucional e anti-aristocrático que, embora provindo diretamente da experiência filosófica clássica, mira diretamente no coração de outra modernidade. Os cínicos se refazem segundo Sócrates, mas o liberam das mitologias filoespartanas e autoritárias de um Xenofonte, o desplatonizam e, assim fazendo, o superam. Eis o sentido do moto de Diógenes “mudar o valor da moeda”. Não uma apologia da falsificação, mas – teria eu vontade de dizer – uma transvaloração democrática, popular, revolucionária dos valores.


Ascese, verdade como escândalo, militantismo: são estes os três aspectos que o cinismo consigna à posteridade. Não só na religião ou nas doutrinas sociais. Pense-se – diz Foucault – na pretensão dos artistas de viver uma vida exclusiva, ou seja, de viver a arte, de não aceitar uma separação entre arte e vida. “Há um antiplatonismo da arte moderna que (...) tem sido uma tendência que se encontra em Manet, senão em Francis Bacon, em Baudelaire, senão em Samuel Beckett ou Burroughs; o anti-platonismo: a arte como irrupção do elementar posto a nu pela existência” (A coragem da verdade).


O pedantismo do exemplo


Certamente há também no cinismo filosófico, diz Foucault, o anúncio de outro tipo de pedagogismo que não se manifestaria através do racionalismo socrático-platônico e depois histórico, cristão, etc., mas pelo pedantismo do exemplo. O militante está pronto a transformar-se – como a experiência histórica nos mostra até a náusea – em funcionário, talvez da humanidade. O subversivo em moralista. O herege em tutor de uma ordem que fatalmente só pode envelhecer. Mas, trata-se de uma dialética esquisitamente moderna, que está na base das nossas ilusões e das inumeráveis desilusões contemporâneas. E, no entanto, a “razão cínica” – para citar um velho livro do filósofo alemão Peter Sloterdijk – continua a trabalhar contra a eternização do presente. Porque, como observa corretamente Frédéric Gros nas notas conclusivas a Le courage de la verité [A coragem da verdade], o gesto dos cínicos consiste no apelo à transformação do mundo e, por conseguinte, na possibilidade de “outro” mundo. Com isso, cremos, o sentido da investigação de Foucault se emancipa da pátina insuportavelmente otimista e confessional da qual foi recoberto há uma vintena de anos.


Surge a vontade de dizer que o significado profundo da parrésia de fato não está para nós no desprendimento interior que Foucault reconstruiu, se não nos limiares do cristianismo, na indiferença de Diógenes diante de Alexandre e em seu seguimento; no desprezo das conveniências teóricas e políticas; no apelo à verdade contra a falsidade midiática e institucional. Em definitivo, numa existência autenticamente rebelde. Após tudo, pouco antes de morrer, Foucault observou que o verdadeiro significado da rebelião não está na vitória que é sempre problemática, mas no fato de que somente ela torna possível a história.

Entrevista - Edgar Morin


‘Há possibilidades, não probabilidades, de esperança’

Edgar Morin tem a cabeça de um pássaro, ágil, inquieto, contundente, de uma raça que não se rende. Fala com a convicção de um otimista, mas sabe que as coisas estão mal, que se não for remediada a catástrofe é inevitável. A ética e a memória (de outros desastres) ajudarão para que o caos não aconteça. O filósofo, sociólogo, participou da resistência contra os nazistas, na França, “e seguirei resistindo às barbáries”. Tem 87 anos. Entre os estudantes da Faculdade de Sociologia da Complutense, em cujo Fórum falou na terça-feira, o autor de A política da civilização (ideia que copiou de Sarkozy) parecia um aluno a mais, mas com uma carga impressionante de sabedoria. E de pessiotimismo, como ele mesmo diz. A entrevista é de Juan Cruz e está publicada no jornal El País, 06-11-2009. A tradução é do Cepat.
Fonte: UNISINOS




Você tem a sensação de que vivemos uma catástrofe nova ou já vimos isto antes?

O planeta Terra conheceu no passado catástrofes naturais, como o fim da época primária, que significou a destruição de 95% das espécies vivas... A novidade é que hoje está a caminho uma catástrofe que é resultante do desenvolvimento humano. Para mim, o aquecimento climático não é o mais importante, ainda que o seja; é que estamos em um processo combinado de destruição do planeta que nos leva a uma catástrofe geral ou a várias catástrofes combinadas. O desastre. Não se pode continuar muito tempo por este caminho.

Como mudar?


É um problema difícil. Não podemos mudá-lo com uma decisão; devemos pensar como se processaram as grandes mudanças do passado. Toda grande mudança tem um peso e uma forma que em seu início é muito humilde; pense em Jesus Cristo, em Maomé... Um desvio cria uma tendência e esta tendência pode mudar o caminho... Creio que as denúncias contra a mundialização do capitalismo são boas, mas não basta denunciar, é preciso anunciar. A enunciação não é um programa, é uma ideia mestra. Por exemplo, devemos insistir sobre a qualidade da vida, não sobre a quantidade; é uma boa ideia... Fiz algumas dessas enunciações em meu livro A política da civilização... E estou escrevendo outro que chamo O caminho no qual trato de demonstrar que é preciso buscar alguns caminhos (incluindo as coisas boas da mundialização).

Na sua conferência falava do clima de desesperança que pesa sobre nós. A política pode tirar este peso de cima de nós?


Quem sabe. As velhas gerações têm a sensação de que foram enganadas em sua fé no comunismo, em uma sociedade democrática harmoniosa, civilizada; no progresso como lei da história... Tudo isso se desintegrou e hoje os jovens estão totalmente desorientados... A análise que faço é que há possibilidades, não probabilidades, de esperança. E a esperança não se encontra no coração da desesperança. Hölderlin dizia: “Ali onde cresce o perigo cresce também a salvação”; isso significa que o crescimento do perigo nos remete à consciência do que acontece e nos enuncia o que deve ser feito... Antes da esperança era uma fé; agora é apenas esperança. É muito importante, porque se não houver esperança não haverá projeção no futuro.

Você dizia que Heráclito falava de buscar o inesperado. O que é o inesperado agora?


O inesperado é sair desta via mortal que seguimos; mas devemos buscar. Se buscarmos, encontraremos outra via.

E você fala da harmonia, de sua busca. Onde você encontra hoje harmonia?

Se a procuramos é porque ela não existe. Há momentos de harmonia no âmbito privado, no amor, quando seu time vence... Pedaços de harmonia: a poesia da vida... Não penso que a política sozinha possa dar a harmonia: a compreensão humana, a solidariedade, depende de nós, e daí virá a harmonia. Tudo há de recomeçar. É algo terrível, mas é também maravilhoso, porque necessitamos de um estímulo. Esta ideia me ajuda a viver. Sou otimista e pessimista, um pessiotimista, ou vice-versa. Quando estava na Resistência houve um momento de grandeza. Havia esperança. A ideia do Não da Resistência era também um Sim à liberdade, a uma esperança de liberdade. Não foi a liberdade que pensávamos, mas foi uma certa liberdade.

Falava da política. E os intelectuais, o que devem fazer?


Creio que hoje o seu papel é mais importante do que no passado. Mas se produziu muita esclerose, academicismo... Devem colocar sobre a mesa os problemas fundamentais, e não fazê-lo de uma maneira superficial.

Segue sendo um resistente?

Sim, na minha alma o sou; e seguirei resistente a todas as barbáries que existem.


segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Entrevista - José Antonio Zamora


O império do instante e a memória


As estruturas temporais da modernidade capitalista estão marcadas pela velocidade, por uma aceleração permanente. Ao mesmo tempo, parece que nada de novo, em seu sentido radical e autêntico, é produzido. “Novidades” proliferam em ritmo frenético, e essa avalanche de bens de consumo nos conduz ao império do instante, do fugaz, do descartável. Ao nos inscrevermos nessa lógica, acontece “uma anulação e uma destruição da experiência, porque a relação que o sujeito estabelece com a realidade por meio do consumo está marcada por essa fugacidade, por essa transitoriedade”. A análise é do filósofo espanhol José Antonio Zamora na entrevista exclusiva que concedeu, pessoalmente, à IHU On-Line.

Há uma “empatização com a mercadoria”, assegura Zamora, referindo-se ao pensamento de Walter Benjamin. Não se trata mais de um consumo material em si, e o valor de uso do produto fica de lado. Entra em cena a aura alucinatória das mercadorias, que são convertidas em objeto de desejo pelas qualidades subjetivas que conferem ao seu possuidor. Daí à conversão dos sujeitos em mercadoria é um passo. "Benjamin rastreia uma forma de conversão dos sujeitos em mercadoria que tem a ver com o fetichismo da mercadoria, com a aura alucinatória, com a experiência estética, cultural com a mercadoria, não material”.

Zamora critica esse devir cronológico, que tem na elaboração ideológica do progresso sua mais rematada concretização. A figura do redemoinho seria mais adequada para compreendermos a realidade social, quando tudo é movido, mas nada muda.

Zamora foi conferencista do evento O tempo messiânico contra o furacão destrutivo do capitalismo, promovido pelo Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Unisinos. Docente no Instituto de Filosofia do Conselho Superior de Investigações Científicas (CSIC) da Espanha, é autor de, entre outros, Th. W. Adorno: pensar contra la barbarie (Madrid: Trotta, 2004) e Ciudadania, multiculturalidad e inmigración (Navarra: Verbo Divino, 2003). Estudou Filosofia, Psicologia e Teologia na Universidade Pontifícia de Comillas, em Madri. Doutorou-se na Universidade de Münster, na Alemanha, com uma tese sobre Theodor Adorno, orientada por Johann Baptitst Metz.
Fonte: UNISINOS




IHU On-Line - Qual é a relação que o senhor estabelece entre Walter Benjamin e o tempo e consumo no capitalismo?


José Antonio Zamora - Walter Benjamin é um pensador que pretende desentranhar as chaves da modernidade capitalista. Uma dessas chaves fundamentais é a questão do tempo. Normalmente, consideramos o tempo como uma realidade imutável, como se o tempo houvesse sido sempre igual em todas as épocas históricas, mas, na realidade, o tempo também é uma construção social. Nesse sentido, a modernidade capitalista estabelece estruturas temporais. Estas estão marcadas por uma aceleração permanente, a velocidade. E, ao mesmo tempo, há uma sensação de que nada novo, em um sentido radical, se produz. A modernidade está relacionada com o novo. Este é o tempo novo frente ao antigo, frente à Idade Média, frente ao antigo regime. Entretanto, a proliferação de novidades e a aceleração na proliferação destas produz um certo “instantaneísmo”, o domínio do instante, do fugaz. E isso, ao mesmo tempo, faz com que se produza uma desqualificação do instante pela falta de duração. Ao não ter duração, não se inscreve experiencialmente no sujeito, e então isso produz uma sensação de vazio nisso que, hoje em dia, recebeu o nome de pós-modernidade. Há uma sensação de que as utopias, o sujeito, a razão, morrem. Vivemos em um mundo "pós": pós-humano, pós-político, pós-histórico, pós-moderno. É uma consequência última desse processo de aceleração. Então, digamos, isso que faz parte das estruturas, para mim, é uma chave para desentranhar o que a modernidade capitalista produz na sociedade e na experiência que os sujeitos têm nessas sociedades. Isso por um lado.

O tempo devorado

O problema é a mediação entre o que poderíamos chamar de tempo concreto, o tempo em seu caráter experiencial, e depois um marco, que, no capitalismo, é o marco do valor abstrato, que é o tempo enquanto critério de quantificação do valor do capital, do dinheiro. Trata-se de buscar e de entender essa mediação, porque a modernidade produz uma grande quantidade de inovação tecnológica, de mudança social, de mudança de mentalidades. É uma revolução permanente de costumes, de ideias, de afetos, de técnicas, de todo tipo. E, ao mesmo tempo, apesar de tudo estar em revolução, no entanto, o marco abstrato do valor e o tempo abstrato do valor de troca, ou do dinheiro, do capital, é um marco fixo, estático. Parece como se esse marco estático devorasse o tempo concreto, engolisse, se apoderasse do tempo concreto e anulasse sua capacidade de produzir verdadeira novidade, algo verdadeiramente novo. Evidentemente, isso tem a ver com o consumo, na medida em que o capitalismo também produziu uma infinidade enorme de mercadorias, de produtos, uma multiplicação. Mas essa multiplicação de produtos está a serviço da multiplicação do benefício, então os sujeitos são impulsionados a consumir vorazmente. Porém, nesse consumo, produz-se realmente uma anulação e uma destruição da experiência, porque a relação que o sujeito estabelece com a realidade por meio do consumo está marcada por essa fugacidade, por essa transitoriedade.


IHU On-Line - A que se atribui essa aceleração do tempo? Ela está, então, submetida ao imperativo do consumo?


José Antonio Zamora - Sim, porque, de um lado, o capitalismo, por meio da inovação tecnológica, organizativa e logística, tem uma capacidade enorme de produzir cada vez mais com menos. É a lógica de racionalização, de efetividade, de eficácia, a competitividade. Os saltos de produtividade têm sido enormes. Então, isso faz com que possamos produzir muito mais com menos, mas a criação de riqueza material não é o mesmo que a criação de benefício. A criação de benefício não depende da criação de riqueza, mas sim do valor de troca associado às mercadorias. Então, para seguir mantendo a acumulação, é necessário produzir mais, isto é, a produtividade não tem como consequência um ganho de tempo, de tempo não produtivo, de tempo de descanso, de tempo fora do âmbito da produção e do consumo. O crescimento da produtividade tem que ser compensado com um crescimento tremendo do consumo. Estamos continuamente compelidos a consumir, senão seria impossível que a maquinaria seguisse funcionando.

Aura alucinatória das mercadorias


O capitalismo também é uma forma de cultura, não só uma forma de produzir. Então, tem que estar continuamente alimentado o desejo, gerando, portanto, uma apetência permanente de mercadorias. E Benjamin consegue rastrear um fenômeno específico – e eu acredito que foi a pessoa que melhor o entendeu –, que ele chamou de "empatização com a mercadoria". É uma aproximação e uma identificação empática com a mercadoria, que não é seu consumo material, não tem a ver com o valor de uso, mas sim com a aura alucinatória que as mercadorias adquirem no capitalismo para se converter em objeto de desejo. Aí há um processo de assimilação, de “empatização”, diz ele, com o anorgânico. Isso transforma os sujeitos em sujeitos auráticos mercantilizados.


É muito curioso, por exemplo, quando Benjamin se fixa em tipos humanos que povoam o que hoje chamaríamos de shopping, mas que naquela época eram as passagens parisienses. Então, o filósofo fala da relação que os sujeitos têm quando estão na massa, quando estão nessas concentrações humanas. E ele se dá conta de que os passeantes se exibem diante dos outros, se vendem diante dos outros, adquirem eles mesmos o caráter de mercadoria que se oferece ao outros. O que Marx havia analisado, que o homem vende a sua força de trabalho e se converte em mercadoria no mercado de trabalho, pela venda de sua força de trabalho, é insuficiente para entender o capitalismo na época posterior e atual. E Benjamin rastreia uma forma de conversão dos sujeitos em mercadoria que tem a ver com o fetichismo da mercadoria, com a aura alucinatória, com a experiência estética, cultural com a mercadoria, não material. Pensemos que ele está escrevendo nos anos 1920-1930 do século passado, então se supõe um adiantamento, uma lucidez.

Hoje, basta entrar em um shopping para entender Benjamin. É uma coisa que Theodor Adorno também analisa. Porque o valor de troca em Marx era simplesmente o preço, tinha a ver com o sistema de dinheiro para trocar mercadorias que são qualitativamente diferentes. Mas aqui estamos falando de outra coisa, estamos falando dessa aura alucinatória, o brilho, o esplendor que as mercadorias adquirem, que lhe permitem ter vivências, experiências subjetivas da relação que não tem a ver com o substrato material da mercadoria. Por que um carro de luxo faz com que o possuidor tenha “sex appeal”? É a relação da materialidade da mercadoria e os atributos que se projetam alucinatoriamente sobre ele. Então, isso permite rastrear uma coisa que, por exemplo, Adorno chamava de “o consumo do valor de troca”, que, na forma habitual de pensar as teorias marxistas, tradicionais, não teria sentido, só se pode consumir o valor de uso de uma mercadoria.


IHU On-Line - Voltando à questão da aceleração do tempo, que conexões há entre ela e o fim da história, da razão, do sujeito, da política e das ideologias? Não se cria aí uma apatia do sujeito contemporâneo em função desse cenário?

José Antonio Zamora - A questão da aceleração e do fim da história aparece como duas interpretações opostas. A categoria da aceleração parece ser um impulso para frente, à velocidade, ao rápido, a uma meta. Parece que, no conceito de aceleração, há como que um esquema tecnológico de fundo. No entanto, o fim da história parece propor que o que se produz é uma “estática”, uma parada, uma detenção, algo que não se move, que está detido. Benjamin, claro, não se refere a esse teorema do fim da história, que é um teorema hegeliano, que depois foi percorrido por Francis Fukuyama. Mas Benjamin tinha diante de si o teorema nietzschiano do eterno retorno. Então, diz ele, tanto a ideia burguesa, marxista ou social-democrata de progresso, de avanço a uma meta, concepção teleológica da história, e esta outra, do eterno retorno, são duas formas de falsa consciência daquilo que realmente ocorre. Porque só se entende o que realmente ocorre a partir da mediação desses dois esquemas interpretativos. Teríamos que recorrer, talvez, a uma imagem do redemoinho. Quando você vê um fluxo de água, forma-se um redemoinho, que começa a mover tudo, mas fica fixo, está fixo, não muda, não se move. Essa imagem pode nos ajudar a entender o que Walter Benjamin persegue em sua análise. Porque essa aceleração tremenda, esse processo de inovação tecnológica, de transformação permanente faz com que, na realidade do sistema social, tudo mude para que nada mude: está imóvel.


O novo qualitativo e o novo cronológico


A análise de Benjamin persegue essa questão tão própria do sistema produtor de mercadorias de, por um lado, criar uma pluralidade, uma diversidade, um ato de inovação permanente, de multiplicação, de diversificação. Pensemos, por exemplo, como era a vida dos sujeitos antes da revolução econômica que é o sistema capitalista. Seu mundo de objetos, de vivência, era relativamente pobre comparado ao que nós hoje vivemos em todas as ordens. No entanto, nessa produção contínua da novidade, realmente está se escamoteando o novo, o radicalmente novo.

Benjamin analisa o fenômeno da moda e diz que as mercadorias precisam utilizar a propaganda da novidade. Mas a novidade, pela pura novidade, é um critério abstrato, é simplesmente aquilo que no tempo acontece em último lugar, não tem outra qualificação a não ser aquilo que ocorreu por último. Então é isso que se busca: quando se oferece as mercadorias, prometem-nos que teremos o último, pois aquilo que já temos está atrasado. Contudo, não se analisa o que há realmente de novo no novo. Porque o novo, em sentido enfático, profundo, tem que ser qualitativamente novo, é uma determinação qualitativa, e não meramente cronológica. Então, no império da cronologia, do devir cronológico, em um continuum de instantes que se sucedem no tempo, o que se produz realmente é uma sabotagem da produção do radical e do verdadeiramente novo. Acrescenta-se a isso que essa concepção que chamamos teleológica do tempo, que é expressada de um modo muito preciso na ideia moderna de progresso, é a forma como nós, modernos, entendemos o tempo. Entendemos o tempo como progresso. Então, diz Benjamin, essa forma de interpretar o processo histórico é uma forma de interpretar que reflete essa aceleração constante do tempo, esse processo inovador constante, que, no entanto, como mero reflexo, é uma elaboração ideológica, porque não permite ver o que, nesse processo, há de regressão, destruição, aniquilamento, vítimas.

Lógica sacrificial


Nesse processo histórico, interpretado como progresso, tudo é submetido à consecução da meta. O resultado aparece como capaz de justificar todos os preços pagos para a sua consecução. Na realidade, essa ideia de progresso responde a uma lógica sacrificial. E, de fato, um dos autores em que essa ideia tem, na filosofia da história, uma interpretação mais acabada, Hegel, fala precisamente do altar da história, onde são sacrificadas gerações, homens, para a consecução de uma meta futura, que é a plenitude da história. Nesse sentido, o fim da história é também o juízo final. Não é preciso esperar nenhum juízo ulterior que revogue o acontecer fático da história, mas a própria história é seu juízo. A história vai realizando seu juízo no próprio devir. Então, tudo é justificado como preço do resultado. Então, se pensarmos que Walter Benjamin encontra diante de seus olhos, no momento histórico em que vive, a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais, a emergência dos fascismos na Europa, o triunfo do nacional-socialismo na Alemanha, a perseguição dos judeus, ele não pode entender que esse presente possa ser, digamos, o epílogo de um processo histórico anterior. Algo falhou nessa interpretação da história, que nos cegou para compreender realmente os custos desse processo. E, quando não somos capazes de ver os custos desse processo em termos de vítimas, de destruição, de ruínas acumuladas, estamos alimentando a própria lógica sacrificial que se sustenta como esquema de dominação histórico que não foi rebaixado. Então, a novidade viria só do fato de sermos capazes de interromper esse processo. Benjamin tem um conceito messiânico do tempo.


IHU On-Line – A partir disso, como podemos compreender a junção messianismo e política nesse pensador?


José Antonio Zamora - Não é simples a interpretação que Benjamin faz do messiânico. Ele tem um fragmento, que é o Fragmento Teológico-Político, em que ele fala da relação entre a ordem do profano e a ordem do messiânico. Normalmente, o messiânico está relacionado à teologia, à religião. Então, ele fala dessas duas ordens como duas ordens diferentes, separadas e com uma certa tensão: enquanto que a ordem do profano é voltada à busca da felicidade dos sujeitos, a ordem do messiânico é interpretada por Benjamin como interrupção. Ele não pensa o Reino de Deus, podemos dizer, como o fruto maduro de um processo histórico, que é como muitas vezes o interpretamos: pensamos que a história vai caminhando rumo a uma plenitude, e essa plenitude é o Reino do Deus, o epílogo da história. Isso converteria o Reino de Deus no prêmio dos vencedores. Então, pensando o esquema apocalíptico, ele diz: o Reino de Deus não é a meta da história, mas sim seu final, seu final como interrupção. Na visão apocalíptica, o Messias chega como aquele que derrota o AntiCristo, é aquele que enfrenta uma situação de dominação destrutiva dos seres humanos. O Messias não é o herdeiro do trono histórico. Então, isso é importante no sentido de que o messiânico é entendido como a irrupção do radicalmente novo, que tem como condição de possibilidade a interrupção da prolongação da catástrofe que foi a história.


IHU On-Line – Então, a partir dessa ideia, poderíamos repensar o conceito de política?


José Antonio Zamora - Isso é o que pretende Walter Benjamin. Aquilo que conhecemos como o teorema da secularização vinha dizer que a modernidade europeia é uma tradução, translação das contribuições do cristianismo levados a conceitos seculares. Benjamin tem um conceito diferente da relação entre a ordem política e a ordem religiosa. Ele não busca uma tradução, uma translação. Ele fala de uma relação como um papel secante com a tinta, mesmo que a tinta nunca possa ser absorvida totalmente. Ele tenta introduzir a teologia dentro da política, de uma maneira que tanto a teologia quanto a política fiquem “translocadas”, “transtocadas” em sua dinâmica. Então, para que isso possa ficar entendível, ele diz: Karl Marx secularizou a ideia de Reino messiânico e a ideia de sociedade sem classes. Imediatamente, diz: é imprescindível devolver à revolução seu rosto messiânico, se não queremos que a classe trabalhadora seja arrasada pelo processo que ele via nesse momento de dissolução. Então, o que quer dizer devolver um rosto messiânico? Até agora, Marx pensou as revoluções como locomotoras da história, como aquilo que faz avançar para frente, que impulsiona a história para sua meta. Mas, diz Benjamin, é preciso entender as revoluções como um “agarrar” o freio de emergência do trem da história. Então, devolver um rosto messiânico quer dizer interromper uma marcha. Benjamin pensa a revolução não como um salto à meta, mas sim como interrupção de um processo que, até agora, tem sido um processo catastrófico. Poderíamos dizer a Walter Benjamin: “Você exagera um pouco o negativo desse processo. Realmente houve progressos”. Suponho que ele não negasse esse progresso.

O que acontece é que, evidentemente, seu horizonte e sua perspectiva não é a perspectiva dos vencedores, mas sim a perspectiva dos vencidos. Por isso, na tese 8 da Filosofia da história, ele diz: para os oprimidos, o estado de exceção é a regra. Isto é, essa história, vista a partir dos que foram esmagados, dos que foram anulados, é uma história catastrófica. E, desde muito cedo, ele quis pensar messianicamente a história, que é pensar a partir dos deserdados, dos últimos, dos esmagados, dos oprimidos. Pensar a história messianicamente é pensá-la a partir desse horizonte. E isso já está no escrito sobre Goethe e as afinidades eletivas, em que ele diz: não nos foi dada outra esperança mais do que pelos que carecem de esperança. Então, não é a esperança daqueles que têm perspectiva de êxito, que querem dar o último salto para o paraíso, porque essa é a perspectiva dos vencedores da história. Por isso, a sua crítica tão forte à social-democracia e, em parte também, mesmo que nunca o nomeie, ao comunismo. As classes trabalhadoras fizeram com que as vítimas se vejam com a ideologia daqueles que os oprimem, com a ideologia burguesa. Segundo Benjamin, acreditar que cavalgamos na crista da onda e que somos o motor da história – assim eram interpretadas, dentro da tradição marxista, as organizações dos trabalhadores no começo do século – é uma espécie de obnubilação, de autoengano. Porque a história aparecia aos seus olhos como dotada de uma espécie de automatismo de emancipação, que, de um modo ou outro, bastava esperar, porque a história caminhava inexoravelmente para o paraíso comunista. O filósofo completa que nada pior poderia ter ocorrido com aqueles que são chamados a transformar a história do que pensar que a história, por sua própria dinâmica, conduz à emancipação, à superação da dominação.


IHU On-Line - Em que sentido se pode falar de uma destruição da experiência a partir do pensamento desse filósofo? O que isso significa?


José Antonio Zamora - O que Benjamin descreve como destruição da experiência tem a ver com esses processos que analisamos no começo, de aceleração do tempo. Já a própria industrialização supõe uma mudança estrutural de grandes dimensões na relação dos sujeitos, dos indivíduos com o mundo, com as coisas, com os acontecimentos. Ele tem um artigo em que fala sobre a pobreza da experiência, referindo-se, precisamente, às pessoas que voltavam do front da Primeira Guerra Mundial. E ele diz que, diferentemente de outras guerras, em que as pessoas voltavam contando o que havia acontecido, as pessoas que voltavam do front da Primeira Guerra Mundial vinham atônitas, sem palavras. Como se sabe, a Primeira Guerra Mundial foi uma guerra tremendamente cruel, em que se enviavam as tropas às trincheiras, que eram bombardeadas com os canhões e tanques. Era uma guerra de seres humanos convertidos em carne de canhão. Esse choque, essa comoção, é intragável ao sujeito, que não é capaz de inscrever o que lhe acontece em uma sequência biográfica. Se transladarmos esse exemplo à experiência cotidiana, da aceleração, Benjamin diz que essa multiplicação de sensações é inassimilável. Então, não podem ser traduzidas em experiências.


Máquina de esquecimento

Nós vemos televisão e estamos sendo continuamente impactados por imagens a uma grande velocidade. Por assim dizer, os videoclipes são a vanguarda do meio televisivo. E se o impacto televisivo não é suficientemente acelerado, ajudamos com o controle remoto e ficamos trocando de canal continuamente. É uma metáfora do que está ocorrendo conosco. Esse desassossego é a experiência do choque, do impacto. E, sem duração, os acontecimentos, os fenômenos, as coisas não podem se inscrever, não podem ser apropriados pelo sujeito. O sujeito está como que “resvalando” sobre as coisas. Na realidade, a experiência do consumo é algo assim. Essa é a diferença que havia entre uma viagem no século XIX e uma viagem no século XX. Podemos ir de um lugar para o outro, porque a velocidade é imensa. A palavra experiência, em alemão, vem da palavra viajar. “Erfahrung”, experiência em alemão, e “fahren”, viajar. E ter experiência era isso, era aventurar-se pelo novo, por aquilo que não era conhecido, pelo estranho, era descobrir o mundo. Experimentar é descobrir o mundo. É abandonar-se, entregar-se ao que não é próprio, entregar-se ao outro. E essa capacidade para entregar-se, para abandonar-se ao outro é anulada pela vertiginosidade do impacto, da sensação. Nessa forma transformada de relação com o mundo, não tem cabimento a recordação, a memória. Então, esse cúmulo de impactos, de sensações, na realidade, é uma máquina poderosíssima de esquecimento.

Quando falamos das gerações jovens, dizemos que elas vivem num instante eterno, que é o último que viveram. Produz-se uma destruição da memória. A memória precisa inscrever o acontecer na sequência biográfica e, para isso, precisa da duração. Romper a capacidade rememorativa incapacita os sujeitos para isso que Benjamin realmente busca, que está muito associado à crítica do progresso. Isto é, nós não podemos romper o curso e a sequência linear do tempo, se não estabelecermos uma relação diferente com o passado. E essa nova forma de relação, que são as sensações, é uma destruição da memória. Poderíamos dizer que, em Benjamin, destruição da experiência, destruição da memória e, portanto, a anulação da capacidade de subtrair-se a esse processo destrutivo do progresso vão de mãos dadas, estão unidas.

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