sábado, 12 de junho de 2010

Antônio Cícero

Nietzsche e o niilismo

Antônio Cícero, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 12-06-2010.

Fonte: Carta Maior



Nietzsche, em "A Vontade de Poder", pergunta: "Que significa o niilismo?". Responde: "Que os valores supremos estão perdendo valor".

Em "A Gaia Ciência", ele descreve o niilismo como "a desconfiança de que há uma oposição entre o mundo em que até há pouco estávamos em casa com nossas venerações [...] e outro mundo em que somos nós mesmos: desconfiança inexorável, radical, profundíssima [...] que poderia colocar a próxima geração ante a terrível alternativa: ou vocês abolem as suas venerações ou a si próprios! A segunda opção seria o niilismo - mas não seria a primeira também niilismo?".

Na verdade, o niilismo nesse sentido, isto é, a desconfiança e a negação dos valores supremos, constitui a segunda etapa do niilismo. A primeira consiste na depreciação da vida real em nome da postulação e da valorização de um mundo suprassensível superior a ela.

É o que faz a metafísica platônica, por exemplo. Platão, como se sabe, defende que o mundo que nos é dado pelos sentidos e no qual agimos não passa de um simulacro do mundo verdadeiramente real, que é o mundo das ideias eternas, universais e imutáveis e, em primeiro lugar, da ideia do bem: do bem em si.

"O pior, mais persistente e perigoso dos erros até hoje", diz Nietzsche, "foi um erro de dogmático: a invenção platônica do puro espírito do bem em si". Por quê? Porque desvaloriza o mundo real. O mundo sublunar em que vivemos é tanto menos dotado de realidade e valor quanto mais se afaste do ideal.

Segundo Nietzsche, o cristianismo é um platonismo vulgar, um "platonismo para o povo". Trata-se, portanto, de niilismo para o povo. "O nada divinizado", diz. Que maior degradação do mundo real pode ser concebida? Tal é a primeira etapa do niilismo na Europa.

E como se chega à segunda etapa, isto é, ao niilismo que já se considera como tal? Em "A Vontade do Poder", Nietzsche especula que a moralidade cristã acaba por se voltar contra o próprio Deus cristão.

A valorização da veracidade alimenta uma vontade da verdade que se revolta contra a falsidade das interpretações cristãs. Descobre-se que não se tem o direito de pressupor um ser transcendente ou um em si das coisas que fosse ou divino ou a encarnação da moralidade. A reação contra a ficção de que "Deus é a verdade" é: "Tudo é falso".

A partir disso, negam-se todos os valores supremos. É a morte de Deus. O domínio do transcendente se torna nulo e vazio. O niilista nega Deus, o bem, a verdade, a beleza.

Se antes a vida real era desvalorizada em nome dos valores supremos, agora os próprios valores supremos são desvalorizados, sem que se tenha reabilitado a vida real. Desmente-se o mundo metafísico, sem se crer no mundo físico. Nega-se qualquer finalidade ou unidade ao mundo. Nada vale a pena.

Mas, além desse modo passivo, há o que Nietzsche chama de "niilismo ativo". Representa o aumento do poder do espírito. Nietzsche diz que "seu máximo de força relativa, o [espírito] alcança como força violenta de destruição: como niilismo ativo". E classifica a si próprio como o primeiro niilista europeu perfeito, isto é, "o primeiro niilista europeu que já viveu em si o niilismo até o fim, já o deixou atrás de si e o superou".

Tal niilismo não pode consistir, evidentemente, na destruição física das coisas ou dos seres humanos. Trata-se antes da abertura do caminho para a "transvaloração de todos os valores" através do reconhecimento do caráter meramente relativo, particular e contingente de todas as crenças e valores dados.

Ora, não é exatamente a esse reconhecimento que o ceticismo metódico da filosofia moderna deveria ter conduzido, se tivesse realmente sido levado às últimas consequências? Não teria ele então consistido em niilismo ativo? Nesse sentido, Heidegger tem razão ao pensar que Descartes está menos distante de Nietzsche do que este imagina...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

Edgar Morin

O filósofo e sociólogo Edgar Morin, que participa em Viseu (Portugal) num colóquio sobre Educação promovido pelo Instituto Piaget, defende uma "reforma radical" do modelo de ensino nas universidades e escolas, salientando a necessidade de acabar com a 'hiperespecialização'. "Temos a necessidade de reformar radicalmente o atual modelo de ensino nas universidades e escolas secundárias. Porquê? Porque atualmente o conhecimento está desintegrado em fragmentos disjuntos no interior das disciplinas, que não estão interligadas entre si e entre as quais não existe diálogo", sublinha, em entrevista à Lusa. A notícia é do sítio da revista Ciência Hoje, 22-05-2010.
Fonte:UNISINOS


O filósofo francês considera que o modelo acual leva a "negligenciar a formação integral e não prepara os alunos para mais tarde enfrentarem o imprevisto e a mudança".

Edgar Morin, de 88 anos, critica, por exemplo, que nas escolas e universidades "não exista um ensino sobre o próprio saber", ou seja, sobre "os enganos, ilusões e erros que partem do próprio conhecimento", defendendo a necessidade de criar "cursos de conhecimento sobre o próprio conhecimento".

Lamenta, igualmente, que a "condição humana esteja totalmente ausente" do ensino: "Perguntas como 'o que significa ser humano?' não são ensinadas", critica.

Por outro lado, acredita que a "excessiva especialização" no ensino e nas profissões produz "um conhecimento incapaz de gerar uma visão global da realidade", uma ‘inteligência cega’".

"Conhecer apenas fragmentos desagregados da realidade faz de nós cegos e impede-nos de enfrentar e compreender problemas fundamentais do nosso mundo enquanto humanos e cidadãos, e isto é uma ameaça para a nossa sobrevivência", defende.

"Está demonstrado que a capacidade de tratar bem os problemas gerais favorece a resolução de problemas específicos", garante Morin, lembrando que a maioria dos grandes cientistas do século XX, como Einstein ou Eisenberg, "além de especialistas, tinham uma grande cultura filosófica e literária".

"Um bom cientista é alguém que procura ideias de outros campos do conhecimento para fecundar a sua disciplina", afirma, sublinhando que "todos os grandes descobrimentos se fazem nas fronteiras das disciplinas".

Garante também que "apesar de em muitas universidades norte-americanas existir maior flexibilidade no que toca ao modelo ensino", nos Estados Unidos existe o "mesmo problema que na Europa".

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