sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Umberto Galimberti


A Internet e o modelo da ágora

"Na projeção do futuro, estão os sinais da mudança. Trata-se de uma mudança que é radical porque ocorre em uma linguagem, a virtual, que um poder muito velho nos seus hábitos mentais e nos seus esquemas perceptivos não só sofre para entender, mas nem se dá conta de sua força e de seu poder." Essa é a opinião do o filósofo, psicólogo e psicanalista italiano Umberto Galimberti (foto), em artigo para o jornal La Repubblica, 10-12-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Fonte: UNISINOS

Por ocasião do No-B Day [No Berlusconi Day], os corpos se materializaram na praça, mas a sua convocação ocorreu por meio daquela realidade desmaterializada que é a Rede, onde o espaço é abolido, o tempo é tornado instantâneo, e as pessoas fazem o seu desaparecimento com a vicária cumplicidade daquele seu sósia que é o alter-ego digital.

Certamente, existe uma bela descontinuidade entre a ágora antiga, onde as palavras eram acompanhadas pelos gestos, os gestos dos olhares, e os olhares, traindo as intenções, podiam desmascarar os nunca resolvidos jogos entre mentira e verdade. Mas se olharmos as coisas mais de perto, essa descontinuidade se reduz, se for verdade que o modo ocidental de pensar, nas suas expressões matemáticas e filosóficas, tomou rumo justamente com a rejeição da percepção sensível, para inaugurar aquele pensamento imaterial que encontra a sua articulação nos construtos da mente, que permitem aportar naquela realidade considerada perfeita, porque liberta dos limites da matéria.

Não por acaso, Platão escreve: "Aproximar-nos-emos mais ao saber quanto menos tivermos relação com o corpo". E 2000 anos depois, Descartes, inaugurando o método científico, escrevia: "Dado que os sentidos às vezes nos enganam, quis indicar que nenhuma coisa é tal qual os sentidos fazem com que percebamos, porque não conhecemos os corpos pelo fato de os vermos ou os tocarmos, mas pelo fato de os concebermos por meio do pensamento".

Se essa é a tradição do pensamento ocidental, que iniciou na ágora grega onde se ensinava a prescindir dos limites da matéria, e por isso dos corpos e dos sentidos, existe uma perfeita continuidade entre o hiperurâneo [mundo das ideias] platônico, a abstração matemática, o cogito cartesiano e a realidade virtual, capaz de dar, na comunicação desmaterializada, o efeito da realidade material sem os condicionamentos da matéria.

A difusão do teletrabalho, a observação de realidades inobserváveis de outros modos próprios da biologia molecular e da genética, até o sexo virtual com parceiros virtuais, ou a idealização de uma "second life" com relação à vida insatisfatória que nos cabe viver fizeram da ágora virtual algo mais poderoso e não menos real do que a antiga ágora material. Mas o que é verdadeiramente surpreendente é que a ágora virtual traz pistas justamente sobre o tipo de pensamento que foi inaugurado na antiga ágora grega.

Protagonistas da sociedade virtual são os jovens, que ninguém convoca na sociedade real, que ninguém chama pelo nome. Ignorados no mundo adulto, eles inauguram uma praça onde se encontram, e onde o mundo adulto, que lhes excluiu, tem acesso com alguma dificuldade. O seu comunicar, chamar-se e convocar-se por via telemática indica uma modalidade de socialização e de trocas relacionais ainda não suficientemente consideradas pelo mundo adulto, que sob esse perfil parece arcaico. E nessa indicação, está a configuração do futuro, que só quem é jovem é capaz de projetar e de sonhar.

Na projeção do futuro, estão os sinais da mudança. Trata-se de uma mudança que é radical porque ocorre em uma linguagem, a virtual, que um poder muito velho nos seus hábitos mentais e nos seus esquemas perceptivos não só sofre para entender, mas nem se dá conta de sua força e de seu poder. Porque é poder comunicar sem os limites do espaço, sem as esperas do tempo, sem a gravidade dos corpos, sem o impedimento da matéria. E justamente aqui pode nascer a fresta de esperança que Pier Luigi Celli justamente via fechada aos jovens se esperada do mundo adulto. Os jovens não esperam mais o futuro dos adultos. Com a sua praça virtual, eles simplesmente o assumem.

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