sexta-feira, 10 de junho de 2011

Marcos Flamínio Peres

Por cima, por baixo


O pensador anglo-suiço Alain de Botton (foto)  explica como o desejo de status social espalha a ansiedade por países como o Brasil. Por Marcos Flamínio Peres.
Fonte: Revista CULT





O homem só superou obstáculos ao longo de sua evolução por ser, naturalmente, preocupado. Mas o alto preço que pagou por isso é ter se tornado refém de sua própria inquietude e insatisfação. Essa é a tese defendida pelo filósofo anglo-suíço Alain de Botton, que aplica a tempos atuais uma das premissas centrais da psicanálise – a ansiedade. Para ele, que vem ao Brasil em novembro para o ciclo de palestras Fronteiras do Pensamento, o homem contemporâneo vive em uma contínua “ansiedade do status”, que se traduz em “uma preocupação constante sobre nossa permanência no mundo”.

O pano de fundo é a globalização e a desigualdade crescente em âmbito mundial, especialmente nos Brics (Brasil, Rússia, Índia e China). Nessas pujantes economias emergentes, afirma De Botton, a apologia do “chegar lá” é tão generalizada que o indivíduo se sente derrotado se falha – por mais irreal e infundado que seja esse desejo. A crer em De Botton, países como o Brasil são hoje o terreno mais fértil do planeta para as velhas neuroses e psicoses freudianas vicejarem.

CULT – A ansiedade pode explicar a sociedade contemporânea?

Alain de Botton – A humanidade é muito ansiosa porque nossa sobrevivência, em grande medida, é baseada na preocupação. Os ancestrais calmos que acaso tivemos morreram muito tempo atrás; aqueles que sobreviveram foram os nervosos. Descendemos de pessoas que se preocupavam com a maior parte das coisas.

Mas, além do nível habitual de ansiedade em relação à sobrevivência, a sociedade acrescentou um novo tipo, que chamo de ansiedade do status. Trata-se de uma preocupação sobre nossa permanência no mundo, se estamos por cima ou por baixo, se somos ganhadores ou perdedores.

Preocupamo-nos com nosso status por uma razão simples: porque a maior parte das pessoas tende a ser bacana conosco dependendo do nível de status de que desfrutamos – se ouviram falar que fomos promovidos, haverá um pouco mais de energia em seus sorrisos; se fomos demitidos, farão de conta que não nos viram.

Por fim, nos preocupamos em ter status porque não conseguimos confiar em nós mesmos caso as pessoas pareçam não gostar muito de nós ou nos não respeitar muito. Podemos imaginar nosso “ego” como um balão furado, que requer o tempo todo um amor externo para se manter inflado e que é vulnerável à menor desatenção. Nós nos apegamos aos sinais de respeito do mundo para nos sentirmos aceitáveis para nós mesmos.

Em sociedades como as de Brasil, China e Índia, que estão liderando o crescimento econômico global, a noção de ansiedade do status pode ser especialmente forte?

A história mostra que, à medida que as sociedades ultrapassam o nível de subsistência básico, a ansiedade do status rapidamente começa a atuar. Seria pouco comum, hoje em dia, haver ansiedade do status por causa da fome; ela só tem início quando comparamos nossas realizações com as de outras pessoas que consideramos nossas iguais.

Podemos nos preocupar com nosso status quando deparamos com um perfil entusiástico em uma página de jornal (isso pode destruir a nossa manhã!) ou quando alguém próximo nos dá uma “boa notícia” (foi promovido, vai se casar…).

A ansiedade do status é certamente pior em lugares como o Brasil, pois as possibilidades de realização (sexual, financeira, profissional) parecem ser maiores do que nunca. Há tantas coisas em relação às quais nutrimos expectativa que podemos facilmente nos julgar “perdedores”. Estamos o tempo todo cercados por histórias de pessoas que “chegaram lá”.

Do ponto de vista histórico, o que sempre prevaleceu foi uma ideia oposta a essa: a pouca expectativa era vista como algo normal e sábio. Somente algumas poucas pessoas chegavam a aspirar à riqueza. A maioria sabia muito bem que estava condenada à exploração e à resignação.

Claro, ainda hoje continua altamente improvável que possamos atingir o topo da pirâmide social. É pouco provável que possamos rivalizar com o sucesso de Bill Gates, assim como, no século 17, era improvável que pudéssemos nos tornar tão poderosos quanto Luís XIV. O problema é que hoje, infelizmente, não sentimos mais isso como algo improvável: dependendo da revista que lemos, pode de fato parecer absurdo que ainda não tenhamos procurado conseguir tudo isso.

Seguindo o raciocínio de seu livro Consolações da Filosofia, como ela pode se tornar um antídoto contra a ansiedade?

A ansiedade não pode ser afastada inteiramente. O que todos os tipos de psicoterapia, meditação e filosofia podem ajudar é a obter uma perspectiva sobre ela, de modo que não sejamos apenas vítimas – mas também observadores, que entendem o tormento por que passam.

A arquitetura também pode nos aliviar da ansiedade, como sugere em Arquitetura da Felicidade?

Há alguns tipos de arquitetura maciça, sublime – refiro-me, por exemplo, às grandes catedrais francesas da Idade Média –, que de fato têm o poder de diminuir nossa ansiedade porque nos colocam em contato com algo muito maior do que nós mesmos. Qualquer coisa que nos retira da esfera humana, que de algum modo nos relativiza, tem o poder de restaurar a perspectiva e nos acalmar. É claro, então, que a religião tem um papel a desempenhar na redução da ansiedade do status.

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